Encontro Quase Impossível, por Sérgio Roveri

Não poderia ser mas corriqueiro o desejo de uma das personagens de "Os Amigos dos Amigos", peça baseada em um dos mais famosos contos do escritor americano naturalizado Henry James (1843-1916), em cartaz a partir desta sexta, 20, no auditório do Sesc Pinheiros: ela quer apenas que dois de seus amigos, que tiveram na juventude uma experiência semelhante, e até certo ponto incomum, venham a se conhecer.


Para tanto, promove uma série de encontros entre o casal, todos agendados com uma prudente antecedência. Mas, no dia combinado, um dos dois não comparece, alegando sempre o mais fútil dos motivos. Ora é uma mudança no tempo, ora uma indisposição ligeira, uma viagem inesperada ou até mesmo um esquecimento. O fato é que os anos correm e os dois nunca chegam a se cruzar. Durante muito tempo, a amiga que tenta aproximá-los segue acreditando nas impossibilidades do destino, até que finalmente aceita, embora sem conhecer as razões, que o casal de jovens não quer se conhecer.


Esta sucessão de desencontros poderia resultar em algo maçante, não tivesse o escritor Henry James, autor de clássicos como A Outra Volta do Parafuso (que está sendo relançado esta semana pela Companhia das Letras) e A Fera na Selva, revestido a trama de um clima de suspense que esbarra na fronteira do terror. A começar pela natureza do acontecimento vivido pelos dois personagens na juventude. Ela, na antessala de uma festa, recebe a inesperada visita do pai. Ele, ao entrar no escritório do pai, que julgava vazio, encontra a mãe tranquilamente sentada atrás de uma mesa. Pai e a mãe, no entanto, estavam morrendo a quilômetros de distância no momento exato em que apareceram diante dos filhos.

A peça, resultado da eficiente adaptação do conto feito pelo dramaturgo e diretor Cássio Pires, recebeu o prêmio de Melhor Espetáculo da última edição do Cultura Inglesa Festival. Mais do que preservar o clima sombrio do conto original, Pires usou apenas duas atrizes, as ótimas Victoria Camargo e Julia Ianina, para se revezarem no papel de narradora e de todos os outros personagens da história, num interessante jogo teatral que, em vez de confundir, aguça a curiosidade do público e reforça a pegada sobrenatural da história.

"A ideia de fazer com que eu e a Julia Ianina representássemos a narradora e as demais personagens da peça tem a ver com algo que está no conto do Henry James", diz a atriz Victoria Camargo. "No texto original, assim como no espetáculo, os personagens não têm nome ou uma descrição física . O leitor não consegue construir uma imagem muito precisa de quem são aqueles personagens." 

Diário do Comércio, 29 de setembro de 2011

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